Últimas Notícias
Brasil

A noite era uma criança no trevo do Roque

A noite era uma criança no trevo do Roque

MONTEZUMA CRUZ*

Reginaldo Rossi

Boêmios e demais criaturas que frequentavam a noite da Capital rondoniense desfrutavam de excelentes casas noturnas entre as décadas de 1960 e 1970. O Seresteiro, de Valter Bártolo, reunia a nata de seletos cantores e grupos de admiradores. Destaco um dos capítulos do meu livro “Território dourado” 👇 

O saudoso empresário conhecido por Pedrão foi ao mesmo tempo proprietário do lendário Restaurante Tucunaré e da Boate Cambuquira, providencialmente em frente ao primeiro na Rua Brasília. O ambiente à meia-luz, bem privê, ostentava luxuosos sofás, pufes; gentis garçons serviam batidas, cervejas e refrigerantes.

Algumas boates porto-velhenses atravessaram longos anos em atividades, outras fecharam as portas abrindo com outros nomes, outras desapareceram definitivamente.

Três boates no trevo do Roque eram bem conhecidas por frequentadores de Porto Velho e de outros estados: Rio Mar, Paissandu e Copacabana. Nelas aconteciam noites quentes de álcool, sexo e de amizades nascidas por imposições sociológicas, ou pela fraternidade de um prato de sopa no quiosque do Degas “plantado” na beira da rua enlameada.

Nelas o público conheceu o apogeu e a queda da zona do meretrício porto-velhense.

DJs formados na própria cidade eram seres que compreendiam bem a alma porto-velhense, talvez “introdutores ao pecado”, graças ao festival de letras escolhidas a cada noite. Mas que pecado era aquele tão envolvente e capaz de fazer mulheres amarem seus pares, e vice-versa.

A noite começava com Mon amour, meu bem, ma femme, na voz romântica e até fatal do pernambucano

Reginaldo Rossi:

Nesse corpo meigo e tão pequeno

Há uma espécie de veneno

Bem gostoso de provar

Como pode haver tanto desejo

Nos seus olhos, nos seus beijos

No seu jeito de abraçar

Essa canção se repetiria umas duas ou três vezes na mesma noite atendendo ao público retardatário que se alegrava depois das 22h sem o pagamento de qualquer couvert. Aliás, nas boates do bairro do Roque, já se adentrava pagando a conta grossa. Preliminares, só no quarto.

Trio Parada Dura

As andorinhas voltaram, e eu também voltei – cantava o jornalista corumbaense Jorcêne Martinez sempre que frequentava a boate da Anita, onde encontrava moçoilas vindas de Cuiabá, Goiânia e Rio Branco. O vaivém de mulheres que viajavam de ônibus e avião entre aquelas cidades e Porto Velho rendia anúncios classificados em jornais, hoje totalmente fora de cogitação pelo direito da mulher e implicações legais, especialmente quando se tratava de menores traficadas Brasil adentro e para o Exterior.

Ô bom barqueiro, bom barqueiro

Dá licença de embarcar

Que eu não sou marinheiro

Mas quero navegar

A música de Carlos Santos parecia um prefixo com chamamento àqueles que saíam da sopa do Degas e estacionavam em rodas de conversa na porta da Boate Riomar. 

Garçons com calça preta, camisa branca e gravata borboleta circulavam nos quatro cantos da casa. Ao lado, a Boate Paissandu concentrava muitas mulheres moradoras próximas às saídas para Ariquemes e Guajará-Mirim, todas elas muito bem distinguidas por eles e cortejadas pelos pontuais clientes.

Lucicleia, minha amiga, se assim posso chamá-la depois de tantos colóquios e tantas décadas depois, frequentava as duas. Ela tinha um filho pequeno e morava ao lado da irmã numa casa de madeira a um quilômetro da ZBM, nos fundos de uma serraria. A irmã também se prostituía toda noite.

Terezinha, moradora numa pequena casa na saída para Guajará-Mirim, atraía atenções e arrebatava corações ao entrar na porta larga da Riomar trajando um belíssimo vestido amarelo. 

Os homens se deixavam seduzir também pela profusão de cores nas roupas das damas da noite, mesmo as colorações inteiriças estilo azul turquesa com ou sem decote. Mas uma parte das mulheres seguia a “moda da época”, aquela saia brilhosa de couro, meias, botas e blusa curta amarrada no umbigo.

Fernando Mendes

Músicas lembradas neste livro são aquelas que teimam ficar na lembrança, tantas vezes foram tocadas pelos DJs das boates. Fernando Mendes, aquele jovem cabeludo mineiro que cantava Cadeira de rodas [1 milhão de cópias] também comovia os casais com A desconhecida:

Numa tarde tão linda de Sol

Ela me apareceu

Com um sorriso tão triste e olhar tão profundo

Já sofreu

Suas mãos tão pequenas e frias

Sua voz tropeçava também

Me falava da infância de lágrimas

Nunca teve ninguém

Nunca teve amor não sentiu o calor de alguém

Nem sequer ouviu a palavra carinho seu ninho, não existiu

Sinceramente eu chorei de tristeza

Ao ouvir

Tanta coisa que a vida oferece

Que a gente padece

Sem querer

A prostituição corria solta na cidade e nos garimpos Araras, Tamborete, Praia do Avião, Paredão, Embaúba, Morrinhos, Periquitos, Palmeiral, Praia do Avião, Sovaco da Velha e Vai-quem-quer alguns dos garimpos de ouro no Rio Madeira entre o final da década de 1970 e os anos 1980. 

Os michês custavam entre duzentos e quinhentos cruzeiros, e nas barracas de lona na beira do rio eram pagos em pepitas de ouro pesadas com justiça. Da mesma forma, assim eram pagos estabelecimentos comerciais e advogados. Alguns deles colocavam micro balanças sobre mesas e balcões.

Mais adiante conto mais. Rs

_____________________

*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).


Texto anterior - Reciclagem de vidros se impõe a Rondônia



« VOLTAR
AVANÇAR »

Nenhum comentário

- Seu comentário é sempre bem-vindo!
- Comente, opine, se expresse! este espaço é seu!
- Todos os conduzidos são tratados como suspeitos e é presumida sua inocência até que se prove o contrário!

- Se quiser fazer contato por e-mail, utilize o redacaor1rondonia@gmail.com